

Tudo pronto para incendiar a República Democrática do Congo
Joseph Kabila declarou que não abandona a presidência quando terminar o seu segundo mandato, a 19 de dezembro. Depois de ter sido protelada várias vezes a marcação de eleições e apesar de, ainda há dois meses, se ter assinado em Kinshasa um acordo para a reorganização do ciclo eleitoral seguinte — ou seja, este — abrangendo a presidência, as duas câmaras do Parlamento e os executivos provinciais e municipais, a República Democrática do Congo (RDC) está de novo frente ao abismo.
O “país do eterno recomeço”, como lhe chamou a revista “África21” há dois meses, referindo uma transferência de poder credível que consiga evitar o mergulho do país e da região numa guerra sem saída previsível, parece estar a recorrer aos métodos habituais de perpetuação no poder. A cinco dias do final do mandato, as autoridades congolesas ordenaram o bloqueio das redes sociais incluindo Facebook, Twitter e WhatsApp, tentando deste modo evitar que sejam convocados protestos públicos contra Kabila.
Segundo a AFP, que teve acesso ao documento, a ordem da autoridade reguladora das telecomunicações da RDC foi enviada a pelo menos três empresas fornecedoras de serviço de internet para que entre em vigor a partir das 22h59 locais de domingo sem que nenhuma justificação fosse adiantada.
VIOLÊNCIA À VISTA
É previsível que haja uma escalada da tensão já existente, alimentada pelo descontentamento do povo congolês com a fraca melhoria das suas condições de vida. A crise vem de longe, o poder alheou-se da realidade do país e o Reagrupamento das Forças Políticas e Sociais a favor da Mudança, liderado por Étienne Tshishekedi (líder da União para a Democracia e Progresso Social, UDPS, o partido mais antigo da oposição) e por Moise Katumbi (ex-governador e atual inimigo de Kabila) não hesita em declarar que o Presidente será derrubado pela força do povo, se necessário.
A promessa feita pela oposição de organizar protestos já a partir da próxima segunda-feira inflamou-se perante cinco dezenas de congoleses mortos nas manifestações contra Kabila em setembro. Na altura, foram incendiadas as sedes de três partidos da oposição, a UDPS, Forças da União e Solidariedade, FONUS, e o Movimento Progressivo Lumumbista, MPL, na capital Kinshasa, metrópole de dez milhões de habitantes onde o atual chefe de Estado nunca ganhou nas urnas.
O apoio a Kabila é muito baixo. Uma sondagem nacional de outubro revela que 80% dos inquiridos querem que o Presidente se demita e apenas 8% dizem apoiar uma sua nova candidatura. É evidente que há violência à vista. Nada de novo na RDC, onde milhões morreram na guerra de cinco anos iniciada em 1997 sob a presidência do pai de Joseph, Laurent-Desiré Kabila, que então alastrou a nove países da região. Vinte grupos armados daquela altura continuam ativos, alertam as Nações Unidas.
Agentes da Polícia Nacional de Angola policiam no passado sábado o Cine Tivoli, em Luanda, onde está previsto, neste domingo à noite, um espetáculo do ‘rapper’ e ativista luso-angolano Luaty Beirão, mas cuja licença de funcionamento terá sido entretanto revogada.
A informação foi avançada à agência Lusa pelo ativista, um dos 17 condenados em março, em Luanda, por rebelião, e que musicalmente se apresenta como Ikonoklasta, que subiria ao palco daquela sala juntamente com o músico MCK, para o “Show Ikopongo”.
“Recebemos uma chamada da senhora do Cine Tivoli a dizer que a polícia foi lá e tirou, abusivamente, sem nenhum mandado, a licença. Visto que foi feito de forma ilícita, vamos falar com o pessoal do espaço e vamos continuar a apelar às pessoas para irem [ao espetáculo], até que nos apresentem um documento com a proibição”, disse Luaty Beirão.
Segundo o músico, os moldes em que o espetáculo se poderá realizar ainda não são conhecidos, mas mantém-se agendado para domingo, às 20:15 (19:15 em Lisboa).
“Intimidaram as pessoas pedindo um monte de documentos. A polícia retirou a licença do espaço Tivoli, mas enquanto isso decorria hoje, ao mesmo tempo, um evento infantil no local”, observou Luaty Beirão, falando num boicote das autoridades ao evento.
Este concerto de Ikonoclasta e MCK – ambos conhecidos pela música de intervenção -, esteve inicialmente previsto e anunciado para hoje à noite, no Chá de Caxinde, outra sala do centro de Luanda, mas os proprietários, segundo os músicos, recuaram e acabaram por não permitir a sua realização naquele local.
“Os proprietários fingiram todos que ninguém sabe, que a gerência é que decide. Disseram-nos que podíamos divulgar e no dia seguinte informaram-nos que o ‘show’ não ia poder acontecer ali”, disse Luaty Beirão.
O ativista, de 34 anos, é uma das vozes mais críticas do regime angolano liderado por José Eduardo dos Santos, tendo sido condenado em março último, no mediático processo dos “15+2”, a cinco anos e meio de prisão por atos preparatórios para uma rebelião, associação de malfeitores e falsificação de documentos.
Luaty Beirão e os restantes 16 ativistas deste processo foram libertados pelo Tribunal Supremo no final de junho, após recurso apresentado pela defesa.
Entre prisão preventiva e cumprimento de pena, Luaty Beirão chegou a estar 09 meses na cadeia, desde 20 de junho de 2015, tendo realizado durante este período uma greve de fome de protesto que se prolongou por 36 dias.
Foram entretanto abrangidos pela amnistia presidencial para crimes – excluindo os de sangue – cometidos até 11 de novembro de 2015.
http://jornaldeangola.sapo.ao/cultura/interpretacao_cultural_do_debate_politico
Aposição vem, aliás, expressa no comunicado do bureau político do Comité Central do partido, a propósito do dia da Paz e da Reconciliação Nacional, 4 de Abril, que invoca o fim da guerra civil em Angola (2002), e cujo acto central comemorativo teve lugar em Saurimo, na Lunda Sul.
Além disso, todos nos recordamos que a princesa Isabel, herdeira directa do trono, afirmou em entrevista ao The Wall Street Journal que nunca recebeu qualquer ajuda por parte do paizinho, rei de Angola desde 1979: “Não sou financiada por dinheiro estatal nem por fundos públicos”.
Para sua majestade o rei, “no actual contexto da vida do país”, de crise profunda, recomenda-se “uma maior atenção ao desempenho dos quadros, aos quais foram confiadas tarefas de gestão”, acompanhada de um “combate mais firme contra a administração económica danosa ou irresponsável nas empresas públicas e à falta de disciplina na execução dos orçamentos afectos aos serviços da administração pública central e local”.
Paralelamente, o partido liderado por José Eduardo dos Santos, que é também titular do poder executivo e Presidente da República (nunca nominalmente eleito e no poder desde 1979), reitera a vontade de “tomar providências para colocar, no aparelho do Estado, quadros com um perfil mais adequado” à gestão pública.
E assim sendo, quem melhor do que a princesa herdeira para comandar a Sonangol e, mais tarde, o reino?
Como é evidente, basta ver os últimos 40 anos, “quadros com o perfil adequado” só existem no MPLA. Daí que, agora mais do que nunca, o regime defenda que o MPLA continua a ser Angola, e que Angola continua a ser o MPLA. Isto, é claro, para além de o MPLA ser José Eduardo dos Santos e José Eduardo dos Santos ser o MPLA.
“Que tenham sentido de responsabilidade e a consciência necessária para ajudá-lo, enquanto força política governante, a fazer cumprir a sua orientação, que prevê o desenvolvimento de instituições fortes e capazes de realizar a sua missão, com eficiência”, refere o comunicado do bureau político do MPLA.
Recordando o pronunciamento feito em Março pelo rei, os 14 anos de paz no reino são assinalados com um balanço em que as “metas preconizadas” ficam “muito aquém” do que foi definido, nomeadamente “para o aumento da produção, da melhoria da gestão das empresas públicas, do funcionamento do sector bancário, do apoio ao empresário privado angolano e do enquadramento dos quadros recém-formados”.
O aniversário do fim da guerra civil em Angola ficou este ano marcado pela profunda crise financeira, económica e social que o reino atravessa, devido à quebra para menos de metade nas receitas com a exportação de petróleo, e epidemias de malária e febre-amarela que estão a levar centenas de pessoas todos os dias aos hospitais, somando-se assustadoramente os casos de morte, sobretudo de Luanda.
“O MPLA e o executivo continuam a mobilizar os angolanos, particularmente os empresários, para agirem, com urgência, para o aumento significativo da produção interna, especialmente a de bens de primeira necessidade, para a satisfação plena da demanda nacional e da diversificação das exportações, para o incremento das receitas em divisas”, refere o comunicado daquele órgão central do partido do rei.
ALei da Probidade Pública constituiria, segundo seu articulado e os devaneios propagandísticos do regime, mais um passo para a boa governação, tendo em conta o reforço dos mecanismos de combate à cultura da corrupção.
Recorde-se que a Assembleia Nacional aprovou no dia 5 de Março de 2010, com o devido e apologético destaque propagandístico da imprensa do regime e não só, por unanimidade, a Lei da Probidade Administrativa, que visaria (de acordo com a versão oficial) moralizar a actuação dos agentes públicos angolanos.
Disseram na altura, e continuam a dizer agora, que o objectivo da lei era conferir à gestão pública uma maior transparência, respeito dos valores da democracia, da moralidade e dos valores éticos, universalmente aceites.
José Eduardo dos Santos, quando deu posse ao então novo Governo, entretanto várias vezes remodelado, reafirmou a sua aposta na “tolerância zero” aos actos ilícitos na administração pública.
Apesar da unanimidade do Parlamento, e passado todo este tempo, o melhor é fazer, continuar a fazer, o que é aconselhável e prudente quando chegam notícias sobre a honorabilidade do regime, esperar (sentado) para ver se nos próximos dez ou 20 anos (o optimismos faz parte do nosso ADN) a “tolerância zero” sai do papel em relação aos donos dos aviários e não, como é habitual, no caso dos pilha-galinhas.
Essa lei “define os deveres e a responsabilidade e obrigações dos servidores públicos na sua actividade quotidiana de forma a assegurar-se a moralidade, a imparcialidade e a honestidade administrativa”. É bonito. Digam lá que não parece – em teoria – um Estado de Direito?
Mas alguém acredita? Mas alguém está interessado? Acreditarão nisso os 68% (68 em cada 100) dos angolanos que são gerados com fome, nascem com fome e morrem pouco depois com fome? Ou as 45% das crianças que sofrem de má nutrição crónica, sendo que uma em cada quatro (25%) morre antes de atingir os cinco anos?
Se calhar não acreditam. Têm, contudo, de estar caladinhos e nem pecar em pensamentos. Mas acredita, diz, José Eduardo dos Santos. E isso basta. Se calhar a Lei da Probidade Administrativa fará que Angola suba para aí meio lugar nos últimos lugares do “ranking” que analisa a corrupção.
Acreditarão na Lei da Probidade Administrativa todos aqueles que sabem, até mesmo os que dentro do MPLA batem palmas à ordem do chefe, que em Angola a dependência sócio-económica a favores, privilégios e bens, ou seja, o cabritismo, é o método utilizado pelo MPLA para amordaçar os angolanos? Acreditarão os que sabem que 80% do Produto Interno Bruto é produzido por estrangeiros; que mais de 90% da riqueza nacional privada foi subtraída do erário público e está concentrada em menos de 0,5% da população?
Acreditarão na Lei da Probidade Administrativa todos os que sabem que o acesso à boa educação, aos condomínios, ao capital accionista dos bancos e das seguradoras, aos grandes negócios, às licitações dos blocos petrolíferos, está limitado a um grupo muito restrito de famílias ligadas ao regime no poder?
Também não interessa se acreditam ou não. O importante é que o MPLA recebe os encómios dos países acocorados perante o petróleo angolano, que preferem negociar com um regime corrupto do que, eventualmente, com um que tenha uma base democrática.
Se calhar, pensam baixinhos os angolanos que usam a cabeça e não a barriga para analisar o seu país, para haver probidade seria preciso que o poder judicial fosse independente e que o Presidente da República não fosse – como acontece à luz da Constituição – o “cabeça de lista” (ou seja o deputado colocado no primeiro lugar da lista), eleito pelo do circulo nacional nas eleições para a Assembleia Nacional.
Se calhar para haver probidade seria preciso que Angola fosse um Estado de Direito, coisa que manifestamente (ainda) não é.