
Zimbabwe’s President Robert Mugabe SMILES during three-day summit on food security at UN Food and Agriculture Organisation (FAO) in Rome on June 3, 2008. Zimbabwe’s President Robert Mugabe accused Britain Tuesday of fomenting Western efforts to effect “illegal regime change” in his country by crippling it economically. AFP PHOTO / POOL / Alessandro Di Meo (Photo credit should read ALESSANDRO DI MEO/AFP/Getty Images)
Eleazar Van-Dúnem |
A situação do Zimbabwe está hoje mais clarificada depois de na noite de ontem os militares terem reforçado as suas posições em toda a cidade de Harare, com especial incidência para as ruas que dão acesso à residência oficial do Presidente Mugabe e de ter detido alguns dos seus principais ministros.

Militares zimbabweanos reforçaram as suas posições nas ruas que dão acesso à residência de Mugabe
Fotografia: AFP |
A comunidade angolana está bem e foi aconselhada a permanecer em casa, enquanto a SADC vai enviar emissários especiais a Harare e a Luanda depois de Jacob Zuma ter falado ao telefone com Mugabe. A TAAG cancelou o voo de ontem para Harare.
Robert Mugabe pode renunciar ao cargo
O Presidente do Zimbabwe, Robert Mugabe, deve renunciar hoje ao cargo que exerce desde 1980, após garantir a saída, do país, da primeira-dama, Grace Mugabe, numa altura em que uma intervenção militar alimenta rumores sobre um golpe de Estado.
O canal televisivo sul-africano News24 noticiou ontem que hoje à tarde é anunciada a renúncia de Robert Mugabe e que o Exército mantém a família presidencial e a sua guarda sob custódia, depois de soldados do Exército bloquearem o acesso a edifícios do governo na capital do país, Harare, como o Mwenemutapa, que abriga o escritório do Chefe de Estado, o Parlamento e o Supremo Tribunal.
Ontem, informações apontavam para uma forte presença militar na estrada que leva à residência rural de Mugabe, no distrito de Zvimba.
Três explosões fortes foram ouvidas na noite de terça-feira em Harare, antes de os militares tomarem as ruas e prenderem ministros.
O jornal zimbabweano “NewsDay” noticiou que, após incursões militares nas suas residências, os soldados detiveram os ministros das Finanças, Ignatius Chombo, da Educação Superior, Jonathan Moyo, e do Governo Local, Obras Públicas e Habitação e comissário político a nível nacional da União Nacional Africana do Zimbabwe – Frente Patriótica (ZANU-PF), Saviour Kasukuwere. O trio faz parte do chamado “grupo G40”, facção da ZANU-PF que, segundo especialistas, procura afastar os veteranos da guerra da independência – como o Vice-Presidente Emmerson Mnangagwa, destituído na semana passada – e abrir caminho para a primeira-dama, Grace Mugabe, assumir o poder. No “NewsDay” lê-se que Jonathan Moyo é o cérebro do grupo, um dos muitos em que se dividiu a ZANU-PF para organizar a sucessão do Presidente Robert Mugabe, de 93 anos.
De acordo com a fonte, o presidente da juventude da ZANU-PF e o número dois dos serviços de inteligência foram detidos. Outras informações dão conta de que o director da Polícia também pode ter sido preso pelos militares. Na noite de terça-feira, o Exército negou que esteja em curso um golpe de Estado, mas prometeu combater o que chamou de “criminosos” próximos de Robert Mugabe.
Em comunicado lido à nação na TV estatal, o porta-voz militar disse que não se trata de “uma tomada militar do Governo”. O que os militares querem “é pacificar uma situação degenerada que, se não for tomada uma providência, pode resultar num conflito violento”. “Assim que cumprirmos a nossa missão, esperamos que a situação volte ao normal”, afirmou.
O porta-voz pediu que todos os “veteranos de guerra” da luta de libertação do Zimbabwe assegurem a paz, a estabilidade e a unidade. E pediu que as forças de segurança cooperem para o bem do país.
“O Presidente e a sua família estão em segurança”, garantiu. Mais cedo, a ZANU-PF acusou num comunicado o chefe das Forças Armadas de “conduta de traição” por ter dirigido ao partido que Governa, na segunda-feira, um aviso sem precedentes, na primeira divergência pública entre Robert Mugabe e os militares.
Apelos à não violência
Jacob Zuma, o Presidente da África do Sul, manifestou-se contra qualquer mudança de regime “inconstitucional” no Zimbabwe. Em comunicado, Jacob Zuma diz estar “muito preocupado” com a situação e manifesta esperança de que os desenvolvimentos no Zimbabwe “não levem a uma alteração inconstitucional do Governo”.
A ZANU-PF anunciou no Twitter que “o Zimbabwe é pacífico e não há instabilidade. A Constituição não foi violada e continua a existir uma democracia”.
Em entrevista à agência DW África, Tendai Biti, antigo ministro das Finanças e líder do MDC, principal partido da oposição do Zimbabwe, condena a acção militar em curso no país, mas admite ser tempo de Robert Mugabe deixar o poder. “Condenamos a retirada ilegal do Presidente, mas é preciso reconhecer duas coisas. Uma é que não houve violência, e acho que o Exército planeou esta acção cuidadosamente. Outra questão é que há uma crise política centrada no Presidente e na sua sucessão. Existe o grave risco de uma dinastia Mugabe se a sua esposa assumir o poder.”
O secretário-geral do MDC afirmou que “o Exército está em processo de tomar o comando”. Em entrevista pelo telefone a partir do Zimbabwe com o canal sul-africano ANN7, Douglas Mwonzora afirmou: “Esta é a definição padrão de um golpe de Estado. Se isto não é um golpe, o que será?”, questionou, antes de acrescentar que a ZANU-PF “está em fase de negação, mas já não tem o controlo”.
Sobre a mensagem do Exército, na qual foi descartada um “golpe militar”, Douglas Mwonzora considerou que “é um comunicado normal quando os militares intervêm”. “Há muito ressentimento contra (o Presidente) Robert Mugabe e a sua esposa (Grace)”, sublinhou. O político pediu aos cidadãos que “tenham cuidado” e disse ser a hora “de salvar o país”, mas advertiu que “não vai ser permitido derramamento de sangue”.
Até ontem, o clima em Harare era calmo, e o comércio funcionava normalmente.
Golpe sofisticado
Sara Rich Dorman, pesquisadora especializada na História política do Zimbabwe, afirmou à UOL que esta acção militar “é um tipo peculiar de golpe, com um padrão diferente, que não vimos em outros lugares” e que se tiver êxito, pode ser exportado e intervenções do género podem acontecer noutros países do continente.“Este modelo de intervenção pode ser atraente para outros países em que a maioria das disputas acontece dentro dos partidos dominantes.
Não havíamos visto os militares agindo de forma aberta assim em questões deste tipo. Agora que isso se tornou possível, abre-se a possibilidade de trajectórias semelhantes em outros lugares. Não daria para ver claramente onde, mas é uma nova forma de jogar a política africana, e, se der certo, as pessoas podem tentar repetir.” Em vez de derrubar o governante e o grupo do poder, os militares parecem querer assumir o governo dizendo que o estão a defender.
“Dada a posição de Robert Mugabe e esta tradição, parecia improvável que alguém o tentasse derrubar. Daí o que estamos a ver, uma intervenção militar que aparentemente não o tirou do poder. Assim, eles conseguem assumir o governo sem precisar romper de forma tão definitiva com o sistema. Fizeram um golpe em defesa do partido que está no poder. É um modelo diferente de golpe”, disse Sara Rich Dorman.
A acção do Exército do Zimbabwe, que assumiu o controlo do país para supostamente proteger o Presidente Robert Mugabe, deve ser entendida como um golpe de Estado, afirma a também autora do livro “Entendendo o Zimbabwe – Da Libertação ao Autoritarismo”, publicado no ano passado, no qual analisa a História política do Zimbabwe. Mesmo que o Exército negue, não há outro nome para o que acontece no país, refere pesquisadora especializada na História política do Zimbabwe.
“É um golpe. É uma intervenção militar na política. Os militares alegam que estão a agir para defender os interesses de Robert Mugabe, que constitucionalmente é o presidente, mas não está claro se ele pediu isso. Não há motivo para achar que ele pediu. Conta como golpe. Não vejo forma de chamar de outra coisa”, disse a cientista política especializada em questões africanas, professora da Universidade de Edimburgo, na Escócia, e editora sénior da revista académica “Journal of Southern African Studies”.
Sara Rich Dorman explica diz ser raro haver golpes no Sul de África, por a maioria dos países da região ter sistemas partidários fortes.
Ler os sinais dos tempos
Analistas políticos angolanos contactados pelo Jornal de Angola condenaram a tomada do poder pela Forças Armadas e disseram que Robert Mugabe não soube ler os sinais dos tempos. Para o analista político Herlander Napoleão, é imperativo que as lideranças africanas interpretem os sinais dos tempos e as revoluções sociais que foram ocorreram no nosso continente com a chamada “Primavera Árabe”.
O analista diz ser preciso que se destrua a ideia de que não existe vida depois do poder, e sublinha que as novas gerações africanas perderam o medo, que é o ingrediente fundamental para as ditaduras. África precisa de instituições fortes e de homens sérios, comprometidos com o seu progresso e desenvolvimento , afirma.
Herlander Napoleão lembra que em África, ironicamente, quem chega ao poder através de golpe de Estado normalmente sai da mesma maneira. “Existe uma linha muito ténue entre o Presidente muito temido e o Presidente muito odiado”, afirma. Lamenta que muitos líderes africanos dificilmente abandonam o poder voluntáriamente e alerta que os líderes que não conseguirem fazer a leitura dos tempos podem não acabar os seus dias na sua terra natal.”
Para o analista, a boa governação, transparência, alternância democrática continuam “nublados e confusos, e muitos líderes africanos esqueceram-se dos grandes líderes impulsionadores das lutas de libertação de África. Exorta os governantes africanos a evitarem promover o que chama de “sucessão dinástica” (tentativa de alguns chefes de estado em entregar o poder a filhos e mulheres) em países republicanos, o que, entende, está na origem de muitos conflitos em África.
Dirigentes africanos têm de acabar com a ideia de que são insubstituíveis e o seu poder é eterno
Augusto Báfua Báfua, especialista em relações internacionais, lembra que o antigo Presidente nigeriano, Olusegum Obasanjo, alertou no inicio deste 2017 aos líderes africanos longevos. “Se não deixarem o poder, o poder vai deixar-vos”.
Para Báfua Báfua, Robert Mugabe deu indícios de perder o controlo da situação quando o seu maior problema passou a ser primeiro a ex-vice-presidente Joyce Mujuro e agora o sucessor desta, Emmerson “Ngwena” Mnangagwa. Segundo o analista, cogita-se que os militares exigem a (re)nomeação de Emmerson Mnangagwa como vice-Presidente da República e o pedido de demissão de Robert Mugabe, ficando deste modo “Ngwena” como Presidente interino e candidato da ZANU-PF à Presidência da República já em 2018.
As próximas horas vão dizer muito sobre o futuro a curto prazo do Zimbabwe, perspectiva Augusto Báfua Báfua.
Osvaldo Mboco, docente universitário, lembra que o Zimbabwe independente sempre foi governado por Robert Mugabe, e que nos anos 80 e 90 este era um dos países mais prósperos de África, com um nível de desenvolvimento invejável, um índice de desenvolvimento humano médio e um sistema de saúde e educação dos melhores em África.
O analista pede uma posição clara da União Africana e dos blocos regionais nos quais o Zimbabwe está inserido sobre a situação. O Zimbabwe, recorda, atravessa uma profunda crise económica, com 70 por cento da população a viver abaixo da linha da pobreza.
União Africana condena “o que parece um golpe de Estado” contra Robert Mugabe no Zimbabwe
O Presidente da Guiné-Conacri, Alpha Condé, condenou, na qualidade de presidente em exercício da União Africana, “o que parece um golpe de Estado” no Zimbabué e instou os militares a “submeterem-se à legalidade constitucional”, segundo um comunicado oficial.
“A União Africana manifesta a sua grande preocupação em relação à situação em curso no Zimbabwe, onde manifestamente soldados estão a tentar tomar o poder pela força”, lê-se no comunicado da organização.
A União Africana “condena com a maior firmeza o que parece um golpe de Estado e reitera o seu total apoio às instituições legais do país” e pede “aos militares que ponham imediatamente termo à sua ação e se submetam à legalidade constitucional”, acrescenta o texto.
Robert Mugabe destacou-se como líder guerrilheiro contra o regime racista branco de Ian Smith, o líder da Rodésia. Em 1980 tornou-se primeiro-ministro, e permitiu a Ian Smith, o homem que o manteve preso por uma década, viver os últimos anos no Zimbabwe. Nos anos 80, sob sua direcção, a economia do Zimbabwe era uma das mais pujantes do continente. Com uma taxa de alfabetização de 90 por cento, o Zimbabwe era um exemplo para África.
Em 1981, Robert Mugabe recebeu o Prémio Internacional de Direitos Humanos da Universidade Howard em Washington e, em 1988, a ONU distinguiu -o pela sua luta contra a fome em África.
De lá para cá, a sua imagem perante a comunidade internacional mudou radialmente.
http://jornaldeangola.sapo.ao/mundo/africa/militares_tem_o_controlo_da_situacao_no_zimbabwe